sábado, abril 28, 2012

Do que será

        Deixe-me pintar uma figura vulgar do que vai acontecer. Em alguns míseros minutos a felicidade irá se exibir, eles não sabem. Ela virá silenciosa, não quer causar estardalhaços desnecessários, virá de surpresa, descalça; que é como ela sempre vem. Impetuosa e excêntrica, no entanto; virá despida. Eles a verão plenamente por um instante. Breve e febril. O tremor no corpo - que ela deixa - um dia não passará de um sopro de reminiscência; porque o momento nunca é bem lembrado. Mas amam-se as sensações! Sabe? Quando elas são doces... Amam-se os brindes e quando o vinho é bom. E eles sorrirão, sem dizer palavra, porque nesses casos ela nem cabe. Na tranquilidade dos olhos e da afinidade genuína, na confusão dos toques e sob o frio que é da noite alta, sumirão os sons do ao redor em respeito ao momento que, por si só, precisará gritar. No entardecer daquela quebra de rotina, aquietar-se-ão os seus espíritos. Mais tarde, entretanto e ironicamente, ambos fugirão alarmados, mesmo que deleitados e entregues, sob uma daquelas luas de papel manteiga.
        "Sinto-me esgotada da verdade."
        "A verdade não importa! (...) Sinto-me um estrangeiro."
        "Viver é absurdo! Somos apenas miséria"
        "Resta esperar que um dia nos tornemos mais."
        "Uma história de amor?"
        "É... Uma história de amor!"
        Ele dirá que foi coincidência, ela dirá um mistério. De tudo, no entanto, ambos farão poesia, qualquer tipo de arte. Porque a verdade não importa, dirão eles - que preferem acreditar no que os faz bem, no que os faz serem melhores. No que os encanta, como uma alegria simples. Se se acredita, existe! Coincidência ou desígnio, não importa. O medo é pouco, não bobagem. Medo do que virá, de nunca mais poder ser. Medo que os colocará distantes, para não roçar no que foi tão bom. Para não por em cacos a lembrança que, todos os dias, quererá se tornar presente. Quererá (re)viver! Desejarão revivê-la. Mas a felicidade farfalha e logo se vai; como a folha com o vento mais forte. Descalça e despida. Plena! Impetuosa e excêntrica. Passageira!
        "E quem sabe eu vá viver de malabarismos."
        "Gostaria de fazê-lo. E quem sabe eu vá viver onde o inverno é mais forte."
        "Prefiro o inverno. Insatisfação?"
        "Sempre quero tudo bem mais, entende?"
        "Entendo... Sinto-me desconfortável."
        "Podemos ir para outro..."
        "Não, dentro de mim mesmo e em qualquer lugar..."
        "Entendo... Um dia a gente se encontrará, por aí. Sabe?"
        "Essas coisas sobre a posição da lua e dos planetas?"
        "Talvez."
        "'O que for, quando for, é que será o que é.' (...) Lê Alberto Caeiro?"
        "Bernardo Soares! Meu favorito."
     Um absurdo! Uns poetas! Dois miseráveis compartilhando um instante tosco de felicidade. Devaneando; insanos. Sensações de seres ímpares que, de repente, são plural. A felicidade se fará presente, junto com os olhos que se entenderão. Breve e febril; tremor no corpo. Então, irônica, ela se fará passado, junto com a escuridão da madrugada que nunca acaba cedo; demora o suficiente para não se fazer esquecer. Aí, risonha, virá a despedida; inevitável, vil. Logo ele estará em casa com um copo de Whisky revivendo o que a madrugada trouxe antes que fosse embora. Logo ela estará em casa com um café forte a lhe sussurrar versos antes que o sol nasça.
        "Ah, madrugada infame! Porque me apresentastes essas sensações?"
        "Ah, brincalhona felicidade! Entrega-nos o sorriso para então nos tirar?"
       A felicidade vem assim, em sopros intensos. E toda a despedida e saudade que são tristes; são tristes porque valem muito; valem por todo o momento, mesmo que breves, em que a felicidade toca a alma, o corpo estremece e fica a lembrança; com suas paixões, seus brindes, suas cores. Que é para quando ela voltar poder ser reconhecida...
       Ah, se soubessem eles: do que será! A felicidade é o que será. Logo. Logo. Lá vem ele, olha-a nos olhos... Breve. Febril. Então é! Como realmente aconteceu. Sem floreios, sem versos. Sobre a verdade? Eu não saberia falar. Mas eu não me importo, porque a mim sobraram apenas as lembranças, as sensações! E os vestígios de um tremor no corpo...
       

2 comentários:

  1. Excelente, Angélica! Que belo texto! Como a felicidade está nas pequenas coisas, nos míseros poetas, que unidos são plural. Lindo texto mesmo, parabéns!

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