terça-feira, maio 17, 2011

Sobre fotos, versos e vinhos





E pela terceira vez ela apertou o play. A mesma música soou, a mesma melodia doce e nostálgica.
A escuridão amanteigada da noite afagou-lhe a face, ela estava só.
Rasgou a fita que a mantinha protegida de todas aquelas recordações. Abriu a caixa.
O cheiro de passado envolveu-lhe, impiedosamente.
Então, ela se viu recolhendo aquelas cartas da caixinha de correio, dois anos antes. Admirando o traçado fino e esmerado com que ele assinava o envelope. Sentiu o papel entre os dedos e a resposta na ponta da língua. 
Depois, encontrou uma velha garrafa e lhe veio, quase que instantaneamente, a visão cálida deles dois dividindo o vinho e seu gosto inebriante, naquele dia dos namorados.
Num impulso, desatou o nó que reunia as cartas e começou a ler, uma a uma. Quanto daquelas palavras havia sido real? Ela se pegou perguntando. E se foi verdadeiro, quando é que começara a desmoronar?
Enquanto olhava as fotos e os presentes, lembrou-se, vagamente, do que ele lhe dissera enquanto enxugava suas lágrimas e dizia para ela não ter medo do futuro.
Decepção.
Enquanto refazia diálogos e revia cenas; enquanto desenterrava o passado e as velhas histórias, o isqueiro ao seu lado começou a lhe parecer atraente e os sorrisos fotografados, falsos demais. Apertou o stop e a música cessou.
Alívio.
Horas mais tarde ela se lembraria com pesar, mas não arrependimento, do CD quebrado. Aquela trilha sonora fizera parte deles dois, de tudo que eles foram e viveram juntos; as viagens, os jantares à luz de velas, enfim, sempre os bons momentos.
No entanto, nos últimos tempos, o saldo do relacionamento deles se fizera negativo. Os maus momentos haviam se sobreposto aos bons, inquestionavelmente.
Ao seu lado, a garrafa vazia virara mil pedaços, um fraco cheiro da bebida ainda persistia no vidro, ou talvez fosse só sua imaginação. Não importava.
 Pegou o isqueiro e a última carta que lera. O cheiro de papel queimado tornou-se intenso, bom. Cinco minutos depois, o fogo crepitava e uma pilha de lembranças se contorciam em meio a ele.
Calmaria.
Um sorriso no rosto, a cabeça girando, a cena a agradava, era quase doce.
Não muito tempo depois, se deu conta de que nenhum vestígio restara; fotos, cartas ou presentes. Sentiu, então, uma felicidade imensa a invadindo, gargalhou, pulou sobre a cama e fez pipoca para comemorar. 
Superação.
Pois é, ela subiu. Mas subiu alto demais. O tombo foi grande quando ela caiu. Caiu no chão duro e em si.
Choque.
Durante a queda, lenta e gradual, foi percebendo, amargamente, o que ela fizera. É verdade, ela havia, mesmo, destruído todas as evidências, sem exceção e corajosamente.
No entanto ela soube, ao tocar o chão, que ela nunca,
nunca, seria capaz de destruir as memórias.