sábado, abril 30, 2011

De um jovem, já não tão jovem assim





Ah! Eles vão dizer que fui insano. Vão lembrar de mim paquerando as mocinhas dos bailes. Vão gargalhar à custa das minhas histórias.
É, daqui muitos anos ainda se lembrarão das minhas presepadas. Presepadas de um jovem de 70 anos depois de uma noite em claro e três garrafas de whisky. Não, não. Eu não sou um bom exemplo se você estiver falando sobre um Jack Daniel's.
Sim, meus filhos sentirão minha falta. Eles até que tentarão alegrar os meus netos fazendo 5 ou 6 bolinhas de sabão seguidas como eu faço, mas, provavelmente, três já serão demais para eles. 
Ah! Eles vão levar as crianças para pescar como eu fazia. Elas pedirão por mim é claro, mas eles se sairão bem: erguerão as cabeças, apontarão no céu uma estrelinha sorridente e dirão que lá está o vovô.
É, essa é mesmo uma boa imagem. Crianças gostam do céu.
Bom, independente de onde eu vá parar, acho que vou sorrindo. Se você soubesse tudo que eu aprontei, fiz tudo que eu queria, meu jovem. E você deveria fazer o mesmo.
Algumas pessoas são assim, como eu, realmente sabem como viver.
Eu vivi e ainda vivo.
Talvez não por muito tempo, quem sabe, talvez eu não chegue nem ao próximo natal.
Mas, vou te dizer, 70 anos serviram para alguma coisa. Medo da morte? Faz-me rir.
Falando em morte... Não que você queira saber mas vá lá, eu sou um velho, acha que me importo se você quer ou não saber? Pois é, no meu velório, eles tomarão meu champagne favorito e farão isso ouvindo Hit the road Jack, nossa como eu amo essa música.
(E aquelas garotas! Que saudades dos 60's. Bons tempos, em?)
Tudo bem, tudo bem, eu não sou mais como eu era quando eu era jovem, jovem mesmo, sabe?
Na verdade, eu me sinto muito melhor.
Não, ninguém consegue tirar esse sorriso maroto de mim.
Um otimista, é isso que eu sou e é isso que pretendo ser até o fim.
(Não tão distante assim, pelo jeito)
Mas, o que estou, realmente, tentando dizer, é que me orgulho do que fui e do que sou.
Vou partir dessa para melhor, sem medo.
Fiz da minha vida o que quis. Fiz valer cada segundo, porque, ao contrário da maioria, eu soube aproveitar.
Nunca esperei para ser feliz.
Não esperei chegar à maioridade nem a licença para dirigir. Não esperei ser aceito na faculdade ou o fim da ditadura. Não esperei ter um casamento ou filhos. Não esperei o carro do ano ou a casa dos sonhos. Não esperei aquela viajem ou aquela visita.
Não esperei. Simples, assim
Fiz minha felicidade acontecer. Fiz a felicidade de outros. E, dane-se a modéstia, superei cada obstáculo majestosamente bem.
Se eu tenho conselhos? Claro que sim, como diz uma velha amiga:
"Faça por ti, o que te faz melhor."






Escrevendo vinho e bebendo versos





Eles vivem como querem.
Guardaram o diploma. Fizeram as malas.
Ela virou fotógrafa, ele toca em barzinhos.
Dane-se o mundo, a conta bancária e as roupas socias. Dane-se o casarão dos sonhos, o carro do ano e o status.
Já nem sabem ao certo em quantos lugares já moraram ou quantas vezes tiveram que se virar com mímica.
Ônibus, metrô ou bicicleta. Pensões ou hotéis baratos.
Não importa.
Eles já deitaram sobre a neve e desenharam anjos, mas também já queimaram no sol enquanto corriam pela praia.
Já andaram em gondôlas e em bondinhos.
parlaro italiano. Arriscaram um Bon voyage.
Já pularam de asa-delta, fizeram trilha e subiram morros.
Pegaram carona com estranhos. Dormiram de favor. Já quase foram deportados.
Nem tudo que fizeram foi sensato ou inteligente. Tiveram problemas, coisas deram errado.
Mas riram da situação e seguiram em frente.
O cartão postal é sagrado. Cada vez um novo lugar.
As famílias já desistiram de perguntar onde é que eles estarão amanhã.
Como se eles soubessem.
É só o tédio bater, a grana sobrar e lá vão eles de novo.
Recomeço.
Quanto tempo isso vai durar? Eles não fazem ideia.
Mas, quer saber?
O amanhã está longe demais para ser preocupante.





Poetizando o passado





Por que desejar tanto o passado, agir como se tudo tivesse sido perfeito?
Houveram bons momentos, sim, houveram. Outros nem tanto. Não faça de conta que esses não existiram.
Não chore algo que nunca deu certo de verdade.
Aprenda com suas  experiências, ruins ou não, elas te fizeram crescer.
Pare de sonhar com um tempo que não volta e que, se você não o poetizasse tanto, veria que nem foi tão bom assim.
Você esquece que aqueles foram momentos não apenas de felicidade.
Finge que o ruim disso tudo nem te fez tão mal.
Esquece as suas lágrimas e é como se elas não tivessem escorrido em torrentes pelo seu rosto.
Aí, você repete, até acreditar, que se você pudesse voltar atrás teria sido diferente, que se pudesse voltar, você não teria dado adeus ao que te fez feliz.
Aceite que não há como mudar. Tudo o que já foi, não será como antes, nem por um minuto.
E é melhor que seja assim.
A questão é, você não pode deixar isso te afetar desta maneira.
Deixar isso consumir seu sono e seus sonhos.
Consumir horas em que você poderia estar vivendo, não lamentando a falta do que já viveu.
Sim, você deve guardar o que foi bom do seu passado, mas sem fingir que ele é para sempre, a melhor parte da sua vida.
Aquele dia foi maravilhoso? Ótimo. Mas e aquele outro dia? O ruim. Seja sincero consigo mesmo.
Guardar do passado o que foi bom, inclui lembranças tristes. E, principalmente, aceitar que elas existiram.
Inclui as lições que recebeu e os tapas na cara que doeram.
Enfim, tudo que de certa forma te transformou no que você é hoje.
Do passado:
Chega uma hora em que você, simplesmente, precisa parar de sentir saudades.
Parar de reviver coisas que não vão voltar.
Hora, também, em que você precisa levantar a cabeça, escolher um caminho dentre todas as bifurcações e seguir por ele sem nem mesmo pensar em mudar de ideia.
Sem hesitar.
Porque esse vai ser o primeiro verso de uma poesia.
Dessa vez, uma de verdade.





quarta-feira, abril 27, 2011

...





"Alguns escrevem pela arte, pela linguagem, pela literatura. Esses, sim, são os bons. Eu só escrevo para fazer afagos. E porque eu tinha de encontrar um jeito de alongar os braços. E estreitar distâncias. (...) Uns escrevem grandes obras.
Eu só escrevo bilhetes para escondê-los, com todo cuidado, embaixo das portas."

Rita Apoena


segunda-feira, abril 25, 2011

First train home






Dedilhando Sweet Virginia em cordas gastas, ele espera, pacientemente.
A primeira vez que ele esteve sentado naqueles trilhos, 7 anos atrás, era só um rapaz de 18 anos buscando por aventura.
Lembranças.
Logo, o tremor dos trilhos sob seus pés o despertará dos longos devaneios.
O trem que o levará de volta se aproxima e ele embarcará decidido.
Quando ele cruzar aquelas portas, o cheiro de madeira velha lhe trará uma pontinha de quase hesitação.
Ele queria continuar em frente, ser o que sempre quis, é um viajante.
Mas, superestimou a solidão.
Era sempre assim, quando as pessoas e os lugares começavam a lhe parecer velhos e próximos demais, ele pegava sua mochila, seu violão e a rodovia mais próxima.
Não olhava para trás, não guardava fotos ou rostos, somente histórias. E isso o mantinha vivo.
Até agora.
Parece que aprendeu da maneira mais difícil que ele precisa de alguém, que a felicidade só é plena quando compartilhada. Por isso a decisão repentina. Por isso, pegará o primeiro trem de volta a sua pequena cidade natal.
Cidade da qual disse adeus, incitado pelo seu espírito de aventura. Cidade em que deixou todo mundo que o amava esperando por notícias que não vieram.
Dentro dele, o mesmo caminho que há tanto tempo percorreu, logo, ele verá passando como um borrão pela janela em que se recostar.
E então, os cheiros nostálgicos e aquelas doces lembranças que o levarão de volta à infância, o farão sorrir.
Ele anseia pelo que encontrará de volta. E receia não encontrar o que espera.
Nem tudo sobreviveu a tantos anos. Na verdade, poucas coisas restaram como ele se lembra.
E ele verá isso quando chegar.
Andará por ruas poeirentas e tropeçará em velhas memórias.
Na praça central, há muito abandonada, ele sentará naquele balanço azul que ele tanto adorava, agora enferrujado.
Com uma riso choroso entalado na garganta, se verá dividindo confetes com o seu cachorro cor-de-chocolate enquanto aquela mulher cheirosa e cheia de poderes o chama de filho e lhe diz que já era hora de ir para casa.
Depois se levantará e caminhará pelo lugar sentindo a garganta arder.
Reconhecerá o parquinho e as barraquinhas de cachorro-quente. Relembrará aquele velho vendedor que lhe dava balões no dia das crianças.
Verá pirralhos desconhecidos correndo pelo pátio da escola em que passou a maior parte da sua infância.
Pedirá o mesmo bolo verde a mesma mulher gorda que tantas vezes o atendera. Ela não o reconhecerá, seus óculos já não a ajudam como antes.
Depois, visitará a rua onde morou e baterá na porta da sua antiga casa. Abandonada, não haverá ninguém para atendê-lo.
Receoso, ele procurará por pistas e notícias que não serão encontradas.
Desesperado, ligará para números de telefones que já não existem.
A cidade dormirá e acordará sem notá-lo. Toda a indiferença que ele reservou ao lugar, agora ele sentirá na pele.
Dedicará sua vida em busca de um passado que não tem pretensões de se fazer presente.
Um passado que ele nunca reencontrará.
E quando ele se der conta disso, anos mais tarde - mas, felizmente, não tarde demais, ele juntará os cacos da sua vida e irá refazê-la.
Porque, na verdade, ter voltado não será de todo tão ruim. É lá que ele vai encontrá-la: a outra parte do seu coração.
A partir daí, esquecerá o passado. Voltará para a estrada, mas não como antigamente. Desta vez, se levará por completo, porque a levará junto.
Ela, o amor que ele anseia encontrar, mas ainda não sabe.
A pessoa que o completará, que compartilhará felicidades.
Que o fará prosseguir.
Terminarão o que ele começou.
Afinal, é isso que mantém de pé todo o seu edifício, tudo que ele é e o que ela se.
Sim, depois que entrar neste trem, ele sofrerá mais do que imagina.
Mais se ele soubesse dela, ele nunca iria sentir medo, como ele sentirá. Nenhuma dor seria incômoda demais e nenhuma vez ele pensaria em desistir da vida, como ele pensará.
Na verdade, se ele soubesse dela, cada minuto passando seria doce apesar de árduo. Pois, cada minuto é só um passo o aproximando, mais e mais, de seu fim feliz.





Plantando rosas no asfalto





Chamam de ilusão ou falta de experiência, ela diz que é Fé.
Fé em Deus e em si mesma.
Erra, sem medo. Acredita.
Está sempre em busca daqueles desejados momentos felizes.
E quando os encontra, não em raras ocasiões, aproveita-os ao máximo.
Ela sabe viver.
Supera tudo, dizem, assustadoramente rápido. Não tem vocação para sofrer.
Ela também sabe colorir.
Transforma aquele dia cinza degradê em chuva de confeti e algodão doce.
Canta no chuveiro, faz da sala sua pista de dança. Dança sem música.
Quando o sol a desperta, levanta radiante. Quando a noite cai, vai dormir sorrindo. 
Quando as lágrimas ameaçam, ela as engole.
Coloca um sorriso na cara e vai arranjar um motivo para ser feliz.
Segue em frente.
É só uma questão de escolha, ela sempre diz.
Acordar de manhã e simplesmente decidir: Posso fazer de hoje um ótimo dia.
Nem tudo são flores, é claro, ela tem os seus momentos.
Ela tropeça, cai e se machuca também.
Como o resto do mundo.
Mas ela levanta mais rápido que a maioria.
E só porque, ela tem um jeito ímpar de encarar a vida.
Um jeito todo dela.





Carta a uma amiga





Elas se conheceram por acaso, acredito. Se identificaram por pura sorte.
Riram dos nomes parecidos, coincidência ou não. Pegaram a mesma estrada, as mesmas vielas.
Seguiram o mesmo caminho pela melhor parte da vida delas.
Fizeram bagunças, maldades. Falaram bem daqueles, falaram mal daquelas.
Gargalharam. Compartilharam pipoca assistindo filme.
Sorriram juntas, emprestaram o ombro. Limparam lágrimas e esfregaram conselhos.
Foram mãe e irmã.
Fizeram e refizeram planinhos diabólicos para logo depois descartá-los e cairem na risada.
Deram voltas e mais voltas juntas. 
Se ajudaram. Se desentenderam e se afastaram algumas vezes.
Tiveram outros amigos, riram com outros risos.
Fizeram história. Contaram as delas.
Não tendo, obviamente, quem as substituisse, sempre sentiam saudades e se reaproximavam.
Mas aí, veio aquela estrada cheia de bifurcações e elas decidiram arriscar.
Mudaram de rumo, cada uma para um lado.
Nenhuma delas foi embora, nenhuma delas ficou para trás.
O mais importante, a amizade verdadeira, permanece.
Tudo porque, elas deram uma a outra parte do seu coração.
Parte, das suas melhores lembranças.


P.S.: Amo você minha melhor. (As Loucas)