quinta-feira, março 15, 2012

Ser reflexo; Ser-reflexo. Revérbero!


Apático, inquieto. Mórbido, ansioso. Tépido! Acinzentado - garoto estranho - dizia-se vazio. Sem paixões! Tentaram de tudo: Rivotril, Ritalina, Lexapro. Nada resolveu. Mandaram-no para as exatas - para ser um bom engenheiro - tampouco. À noite, quando o silêncio exterior, impiedosamente, se abate. Sabemos. Ah, sabemos. De onde vinham aquelas vozes? Bem do fundo. Cavando mais. "Paixões!", elas gritavam. "Paixões!", repetiam intermitentemente; entre um susto e outro. Um pensamento se resgatava, outro se perdia. Mas o grito não mudava. Sucedendo. Foi para a escola de Direito - para ser um bom jurista - tampouco. À tarde, quando precisava redigir aquelas formalidades todas. "Hipocrisia...", dizia. "Paixões?" Mito. Nem se lembrava mais qual fora (e se existira) o gracioso momento em que ele havia se sentido confortável dentro de si mesmo. Haveria um mísero sopro de sentido em qualquer coisa, afinal? Duvidoso, decidiu colecionar palavras - serzinhos engraçados, indiferentes a dimensão tamanha de seu próprio significado - quis a escola de arte. Entregou-se, como acontece sempre que o amor é grande. Então era verdade, elas existiam; "Paixões...". Doou-se; tão logo, encheu-se. Parte por parte; diluiu-se. Como acontece sempre que se expõe a alma.  Disputado, famoso, escritor. Vendeu-se. Impropério! Como acontece quando o diabo é doce. Embuste! Faltava verdade, onde rebuscados primores não faltavam. Sucumbiu, revirou-se do avesso. Foi um rapaz triste; como o são esses grandes, esses das Belas Artes. Foi partido, pouco a pouco, sem perder partes. (Irônico riso!) Mas, de repente, - sem a tosca pretensão usual - numa noite dessas de sarcasmo amargo e contradição. Onde havia tantos olhos-de-papel, ignoráveis. Sinestesia! Re-nasceu. Nasceu! Naqueles olhos sonsos de vidro; Viu-se. Reconheceu-se. Deleitou-se em paixão. "Paixão! Paixões!" Admirou-se do reflexo. Não era o único, com aquela natureza, afinal. Com aquela forma aparentemente sem encaixe, afinal. Com aquela droga de espírito, afinal. Aquele Benedito e Maledito espírito. Um escárnio! E de repente, foi quando - como Narciso - amou-se. Amou-a. Ergueu as mãos, ela o acompanhou. Tocaram-se. Repetiu a experiência, é preciso ter certeza. Piscou seus olhos placidamente acinzentados. Os olhos de vidro corresponderam. Ser reflexo; Ser-reflexo. Dançaram. Dança dupla. Delicada. Enredo. Amaram-se. A-maram-se. Al-maram-se. Alma dupla, quase una. Enlevo! Ela, por sua vez, amou-o. Mas só por amar-se. Como aquela flor? Garota indecisa - antes - de sua própria existência nonsense, foi capaz de enxergar-se, pela primeira vez. Viu-se. Reconheceu-se; através da sombra cinza que era o rapaz a sua frente. Não era a única com aquelas ideias ditas excêntricas, afinal. Com aquele jeito dissemelhante - causa de alcunhas, afinal. Com aquela droga de espírito poético e sempre desejoso de mais, afinal. Benção e maldição. Ambos pobres sonhadores, em um lugar onde sonhar custa caro. Então ela refletia, posto que era vidro. Era reflexo, posto que já não existia por si só. E foi assim, que Acinzentado Rivotril-Ritalina-Lexapro, encontrou a cura para sua crônica fadiga-de-mundo. "Paixões!", gritavam as vozes interiores. "Paixão!", sussurrava pela garota dos olhos de vidro. Ora, do alto de nosso egocentrismo, ama-se não o oposto. Mas aquele que igual a nós, nos parece. Revérbero!


"Ninguém a outro ama, senão que ama
O que de si há nele, ou é suposto."

Fernando Pessoa


2 comentários:

  1. Simplesmente fantástico! Achei incrível o modo como você usou a pontuação, deu uma ênfase a cada curto trecho, a cada frase. Realmente muito original!
    Sem falar no enredo... realmente a paixão nos tira de nossas Ritalinas e nos põem dóceis perante ao mundo.
    Loucura essa sua postagem, lembrou em alguns trechos Lispector (como todo texto seu lembra) e também alguns textos de uma amiga minha, Florencia. (http://www.florevermente.blogspot.com/)
    Parabéns pela postagem! Beijos do seu fã!

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    1. Obrigada! Você sempre me incentivando a continuar. É sempre muito bom ler o que tens a dizer! E Lispector, ah Lispector; que dádiva seria ter o mínimo do talento dela correndo por aqui! Obrigada, mais uma vez. E sobre sua amiga, vou tomar como um elogio, realmente, adorei os textos dela.

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