segunda-feira, março 12, 2012

Do caos e das borboletas



"Haverá neste cosmo alguma chave para destrancar meu escafandro?
Alguma linha de metrô sem ponto final?
Alguma moeda suficientemente forte para resgatar minha liberdade?
É preciso procurar em outro lugar.
É para lá que vou."
Jean-Dominique Bauby



"Uma torrada e um café forte, por favor." Desculpa, só temos cerveja, vodca, gim... "Então, me veja uma dose disto aí que você está segurando! É forte?" Que tal um copo com água? "É forte? Há, ok, pode ser..." Aqui! Deseja mais alguma coisa? "Algo forte, como eu disse, obrigada!" Tudo bem, acho que vai gostar disso. Mais alguma coisa? "Poderíamos ficar a noite toda nessa. - Mais forte!" Porque? "Porque estou sempre desejosa de algo mais. É assim que as coisas acontecem comigo, é assim que sinto... Porque mesmo eu tinha aceitado água?" Para se acalmar, talvez. "Pode ser... Isso é forte mesmo! De qualquer forma, deixe-me ser sincera. Admito gostar especialmente do leve! Dessa tranquilidade lenta das manhãs 'frescas e frescas'. E essa sonoridade folk do vento. Mas, por outro lado, também gosto especialmente de intensidade. Embora não morra de amores por tempestades e pedras de chuva batendo na minha janela. Mas, no fundo, é sempre da mesma maneira..." O quê? "Ah! As paixões! - Quaisquer que sejam elas. - Livros; Não gosto de livros que me fazem bocejar. Nem de pessoas, tampouco. Gosto de ver Assis transpassando o seu Machado até que queime. E dos que fazem do caos que têm dentro de si, uma ou outra estrela para tingir papel ou oscilar corda, que seja! Pessoas; Não admiro o trivial. Criei afeição pelas exceções silenciosas. É, falo dessas pessoas verdadeiras, perigosamente atrevidas e ironicamente serenas. Você sabe, essas poucas almas intensas que se encontram por aí! O quê? Você é uma delas? Não sabe? Então pode se retirar, por favor. Ah, não, não, volte! Desculpe-me minha exaltação. Ei, gostei do seu olhar de noite, essa sua falta de definição estética e... Esquece. O que diabos você me serviu? Eu me sinto meio fora de mim... Como assim o que é que estou dançando? Não pode ouvir?" Aí ela se levantou e me estendeu a mão.

    - E então?
    - Então, nós dançamos!


    - ... Só isso? Naquela espelunca mesmo?
    - Naquela espelunca mesmo, ao som de uma música que ninguém mais foi capaz de escutar. Dançamos. Sorrimos. Sonhamos. E naquelas horas morosas de tosca simplicidade; é bem provável que tenha sido sua própria insanidade momentânea, que a fez se mostrar como realmente era... e seria.
    - O que você quer dizer?
    - Helena, a excêntrica carta de alforria que me chegava em mãos, em braços e, mais tarde; abraços.


    - Hunm, só não entendi a citação de Bauby...
    - O escafandro.
    - O escafandro? Helena foi como um escafandro?
    - Não, a chave. Helena foi a chave.


6 comentários:

  1. O que esperaria de um texto contrapondo o "caos" às "borboletas"? Algo forte? Talvez. Encontrei algo 'especialmente' suave.
    Poderia dizer surpreendente, quando superei pela descoberta das palavras que o aparente (e falso!) clichê tem muito conteúdo. Não julgue um livro pela capa, e nem um texto pelo título! Não julgue! E se for julgar antes de ler, que seja ao menos pelo autor...
    Não poderia deixar de repetir a minha citação niilista favorita, referenciada no seu texto: "Aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"

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    1. Obrigada, Diego! Mesmo! Fico feliz de ter você como leitor. Mais ainda por tê-lo surpreendido de maneira 'especialmente' suave. Sobre a citação, também está entre as minhas favoritas. Assim como a outra que eu não pude deixar de parafrasear: "É necessário ter o caos cá dentro para gerar uma estrela."

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  2. "Não admiro o trivial. Criei afeição pelas exceções silenciosas." Amei esta citação! E, lógico, toda sua composição! Algo realmente lispectoriano. Impressionante!
    E a parte da dança lembrou muito o gênio Nietzsche: "E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música."
    Perfeito como sempre! Parabéns Angelica!

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    1. E Lispector se revira no túmulo! haha Obrigada, Eduardo! Fico muito feliz e lisonjeada com seus comentários, sempre. Principalmente vindo de ti que escreve maravilhosamente bem. Mas Clarice é espetacular e eu nem ouso imaginar tal comparação... E sobre Nietzsche, foi exatamente a ele que eu pretendi fazer referência! Um gênio, com certeza! Obrigada, mais uma vez.

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