segunda-feira, fevereiro 21, 2011

De todas aquelas coisas que não foram feitas...







Ele tinha oito anos novamente. Estava em cima da ponte dobrando o terceiro barquinho de papel. Os outros dois, que já estavam muito longe, refletiam o pôr-do-sol. Ele se imaginava dentro de um daqueles barcos que, de repente, tornava-se grande e, ao lado, podia ver uma mochila azul, cheia de biscoitos e provisões que durariam para uma vida. Então ele remava, era um explorador. Guardava o mundo dentro do bolso cheio de cores, contornos e amassados, o papel tinha cheiro de chicletes e a cor lembrava o charuto do avô que ele admirava tanto e que, todos os dias, contava histórias ao garoto. O menino, então, dizia que seria um historiador, viajaria o mundo do sul ao norte e não pararia até que estivesse velho demais para continuar.
Agora, sentado em frente à prateleira do seu quarto, enquanto abria aquele mapa tão cheio de lembranças e manchas amareladas, passou uma das mãos, enrugadas e trêmulas, pelos cabelos já brancos e lembrou-se dos dias, em que no colo do avô, conhecia lugares e ouvia histórias. Lembrou-se dos seus sonhos e do dia em que começou a guardá-los naquela gaveta, naquela mesma gaveta de onde, há pouco, havia tirado aquele pequeno mapa.
Sentiu-se covarde, fraco. Sentiu como se, realmente, tivesse tido o mundo nas mãos e deixado ele escapar. O pouco que tinha construído já se fora. Restava-lhe apenas decepção, fuga e um olhar cinzento desejoso de trazer o passado para mais perto.
Foi até o armário, abriu uma caixa e tirou de dentro os sapatos pretos que comprara para o casamento do seu único filho, cinco anos antes, e que usara somente naquela ocasião.
Em seguida, vestiu o terno azul marinho, todo desbotado, guardou seu mundinho no paletó, beijou, delicadamente, o rosto de sua mulher, que ainda dormia; abriu a porta da velha casa de madeira e seguiu, determinadamente, para o antigo porto da cidade.
Era cedo, as lojas estavam fechadas. A cidade ainda dormia. Sentia náuseas, mas não parou. "Até que estivesse velho demais para continuar, pensou."
No porto, ao longe, alguns homens já atracavam seus barcos.
O velho então, retirou do bolso seu maior sonho, dobrou-o como quando era criança, sentou-se na beira do cais, e inclinou-se até conseguir tocar na água; olhou, demoradamente, para o barquinho e o pôs no mar.
Então, com um sorriso amargo, ficou observando aquela parte da sua vida refletir o amanhecer, se afastar, ir embora levada pelo vento para, no fim, ser devorada pelas ondas.
Imagens. Nostalgia.
Todas as escolhas que fizera o tinham levado àquele lugar, àquelas situações. Ele tinha mudado todos os seus grandes planos, eles haviam se tornado comuns e até tristes; decidira pelo que parecia menos duvidoso, mas e daí? O que tinha feito para realizar os seus desejos de menino. O que lhe fizera mudar de ideia? Mudara de ideia?
Mas, era tarde demais.
Havia arrependimentos, doía lembrar.
Sentiu algo escorrer pela sua face, chuva e lágrimas.
Que fim levara sua vida?
Agora, era apenas um velho sem histórias para contar. Mais um dentre tantos. Não conhecia o mundo, não tinha nem tentado ser um historiador. Não tinha feito nada, absolutamente nada de admirável.
As náuseas pioravam, tentou se levantar, um passo em falso. Susto. A água estava fria, como a manhã. Sentia o ar sumindo, mas não lutava contra. Afundava. Era até bom, reconfortante. Deixou-se levar. Os olhos embaçavam , lentamente as imagens foram se esvaindo. A vida se extinguia e ele desejava isso. Ele havia desejado isso, ardentemente, nos últimos anos. Decepção. Sentiu-se covarde. Há quanto tempo afundava?
Estranho, pareciam horas.
 Deveria tentar? Não, aquela seria só mais uma das suas inúmeras decisões ruins. Pelo menos, não estaria aqui para lembrar, não teria como se arrepender. Um sorriso amarelo. O último. Tocou o fundo. E então... paz. Calmaria. Nada mais.



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